Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho o meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo."
Relembro este 'velho' poema que percorreu a minha juventude, e admiro a sua contemporaneidade. Volto ainda a relembrar um artigo que publiquei aqui á precisamente um ano atrás - Capital Cultural - e que reflecte sobre o valor gerado pela "Classe Criativa" para a economia europeia. Faço a ponte com um estudo, "Europe in the Creative Age", publicado em 2004, de Richard Florida, autor de "The Rise of the Creative Class, e fundador do "Creative Class Group".
Este é o momento para tomar posição e acabar com o silenciamento de algumas "verdades inconvenientes". Não o faço porque temo que me 'levem' a mim (isso está a acontecer neste momento), mas porque acredito que é absolutamente uma questão moral e ética falar sobre a realidade de milhares de 'criadores' que vivem hoje na mais pura das misérias, integrando o corpo de desempregados, precários e pobres que perfazem já mais de 20% da população portuguesa. Não faço ideia da dimensão europeia do problema, mas acredito que andará por valores próximos (embora mais baixos do que os portugueses).
Inspiram-me os monges budistas da Birmânia, que decidiram não calar mais a sua consciência, que tiveram a nobreza e a coragem de saírem à rua denunciando (mundialmente) a imoralidade, a ditadura, a opressão, a miséria e a fome em vive o povo do seu país.
Acredito que esta é uma questão moral, porque creio que não pode ser admissível que aqueles que estão entre os que mais contribuem para a 'riqueza' da Europa, sejam precisamente aqueles que estão entre os mais sacrificados (ninguém deve ser sacrificado).
Há um ano atrás era capa do jornal Público - "CULTURA COM MAIS PESO NA ECONOMIA EUROPEIA DO QUE SECTOR AUTOMÓVEL". Fiquei estúpido na altura! Foi necessário que, um conceituado economista europeu, contratado pela comissão europeia (segundo o artigo publicado), conclui-se que o sector da Cultura contribuia mais para o PIB europeu, que uma das mais poluentes e destruidoras industrias do planeta (a automóvel, e todas aquelas a si associadas, como a do petróleo), para esta questão, do valor da Cultura, viesse á luz do dia. Hoje, com as questões das alterações climáticas a entrarem-nos todos os dias pelas nossas vidas adentro - já não se tratam apenas de previsões, ou estudos, mas da realidade indesmentível, de secas, cheias, tufões, subidas do nível do mar, temperaturas e fenómenos metereológicos anómalos - é mais do que indispensável actuar; é necessário mudar de paradigma! Porque esta é absolutamente uma questão de sobrevivência do Planeta!
Olho em volta e vejo como, uma "classe" que tanto contribui para o desenvolvimento humano - de artistas, criadores, escritores, investigadores, professores, actores, pensadores (e tantos outros que criam cultura) - está sendo cada vez mais arredada de um dos direitos humanos mais elementares: o direito ao trabalho em condições dignas e respeitadoras da sua inteireza enquanto Ser.
Recorro ao estudo de Richard Florida, só para citar alguns dados, referindo que Portugal foi considerado o país mais atrasado nesse campo (o do crescimento da 'Classe Criativa' na Europa). Mas mais do que isso, é também interessante mencionar que o país mais bem colocado é a Suécia, na maioria dos índices estudados - tolerância, criatividade e crescimento económico - colocando-se mesmo, este país, á frente do EUA (o que não é nada de admirar...).
Isto faz-me pensar, que, ou valorizamos pouco o capital criativo e toda a riqueza gerada por este sector, ou estamos cegos e não queremos ver, ou simplesmente estamos alheados de toda esta realidade, e não aprendemos nada, com os nossos parceiros suecos.
Não consigo calar a minha indignação perante o sofrimento que vejo (e sinto) todos os dias à minha volta. Sinto que somos muitos milhões de seres, com capacidade, talento, criatividade, inteligência, arte e engenho, que podemos contribuir para o desenvolvimento deste País, e desta Comunidade Europeia, e estamos sendo arredados da possibilidade de o fazer. Aqueles que de nós, já o fizeram durante mais de uma década, ajudando e contribuindo para a prosperidade de marcas, produtos, serviços, empresas, que demos muito à economia do nosso país, acabámos por ser 'expurgados', de uma ou de outra forma, muitas das vezes, simplesmente, por discordamos do modelo vigente (o mesmo que está agora mesmo mostrando as suas consequências, através da destruição ambiental do planeta!). Marginalizados pelo sistema, somos empurrados para a margem da sociedade. Já somos demasiado velhos (com 38 anos!!!) para continuar a servir os interesses económicos (selvagens) que dominam toda a economia e somos ainda demasiado novos para nos reformarmos. Aliás não conheço ninguém que o queira! Queremos poder trabalhar e continuar contribuindo para o desenvolvimento (sustentável) do nosso país! Queremos poder colocar o nosso talento ao serviço do bem-comum, da justiça económica, social e ambiental! Queremos e merecemos ser respeitados pelo valor que produzimos, pelo capital que ajudamos a criar. Queremos uma distribuição justa e equitativa dos dividendos do nosso trabalho criativo, e queremos que esse valor seja repartido por todos aqueles que estão sofrendo com a fome e as condições sociais desumanas! Queremos poder contribuir para um planeta mais sustentável, para uma Europa criativa e criadora de bem-estar para todos.
É imoral que este país seja governado por engenheiros, gestores, economistas (com todo o respeito por estes profissionais), especuladores financeiros, 'figuras públicas', burocratas (com menos consideração por estes últimos), que sugam a energia criadora de todo um povo, que lhes levam toda a sua energia, que lhes roubam a alma! Não é moral, por exemplo, que no nosso país, que uns que 'roubam' milhões de euros (uns 12, outros mais, alguns menos), sejam não só perdoados como até abençoados; enquanto que por outro lado aqueles que contribuem para o desenvolvimento de um mundo mais aberto, mais tolerante, mais criativo, mais próspero para todos, são tratados muitas vezes como criminosos, porque deixaram de conseguir cumprir com as suas obrigações mais elementares, para com a casa, a educação, a alimentação, (já não nem falo da exclusão cultural!), às vezes com perseguições 'caricatas' por dívidas de (uns míseros) 400 euros ao banco!
É imoral que a "classe" criativa (assim como de muitos e muitos milhões de concidadãos de outras 'classes' desfavorecidas) estejam a ser empurrados para o 'esgoto', enquanto os multimilionários, ajudados pelas classes dirigentes de políticos sem escrúpulos, exibem vergonhosamente a sua riqueza nos media que eles próprios financiam.
Perante esta realidade, pergunto: o que fazemos? Ficamos calados, deixamos de assumir com a nossa consciência uma posição clara? Ou tomamos posição e passamos á acção? Deixo a pergunta, para que possamos reflectir e agir juntos. Antes que nos levem de vez!
Porque a queda da classe criativa, é a queda de toda a cultura democrática, acessível a todos, partilhada por todos, e que contribui para, muito mais do que o crescimento económico: contribui para a liberdade, a diversidade e a riqueza espiritual de um povo.
Voltarei ao tema, porque o tema, é a minha própria vida, e convoco todos os criadores, a tomarem posição, a não calarem o que sentem, porque um dia, pode ser tarde de mais, e quando dermos conta, seremos mais do que uma "classe" em queda, seremos prisioneiros de um qualquer regime "saudosista" que regresse das brumas do nevoeiro em que vivemos todos os dias...
*A queda da 'Classe Criativa'. Titulo inspirado em "The raise of the Creative Class" (a ascensão da 'Classe Criativa')
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