10 de novembro de 2006
Quando "jogar bonito" é Jogar Bonito!
Li recentemente na revista do Correio da Manhã, um excelente artigo de opinião do 'PacMan' (vocalista dos DaWasel) - "Jogar Bonito" - a propósito desta iniciativa "inédita" vinda do mundo do futebol, e fiquei profundamente grato pelas suas palavras. Embora já tivesse tido a oportunidade de reflectir sobre esta iniciativa do 'Barca', quando vi de relance, num jogo transmitido na televisão, as camisolas do clube dos catalães, fiquei na altura com vontade de escrever sobre este assunto. O 'Pac' adiantou-se e com a sua "rima" inspirou-me para que escrevesse aqui sobre este mesmo assunto – o apoio do 'Barca' à Unicef inscrito nas suas camisolas.
Não sendo um "fã" do futebol, sou desde criança um espectador atento. Tendo sido iniciado pelo meu pai, nessas andanças de ir à "bola", aos domingos ou noutros dias especiais, no antigo estádio José de Alvalade. Fui feito sócio do clube das "riscas-verde-e-brancas" (já era tradição que vinha do meu avó) quando ainda não conseguia pronunciar uma palavra que fosse. Aos dezasseis anos deixou de me interessar ir à "bola", por razões essencialmente "políticas". Tinha começado o meu percurso juvenil nas organizações de juventude, associações de estudantes, etc. Nesse altura os movimentos neo-nazis estavam a dar os seus primeiros passos, e a violência nos estádios tinha começado a azedar. Claques do mesmo clube batiam-se entre si, vários objectos acutilantes voavam nas bancadas; um cenário a que infelizmente já nos habituamos. Mas eu não queria fazer mais parte daquele mundo. Não queria acima de tudo contribuir com o valor das minhas quotas de sócio para financiar claques neofascistas.
Afastei-me por completo do futebol. Durante mais de uma década, estive longe dos estádios, e os jogos transmitidos pela televisão não me interessavam em absoluto. Não entendia que houvessem amigos meus que podiam desmarcar um encontro, uma visita a uma exposição de arte, até mesmo uma importante reunião "revolucionária" por causa do futebol. Tornei-me alérgico. Só voltei a pisar as bancadas de um estádio durante o período quente da luta contra as propinas, e logo no antigo estádio dos "lampiões". Fui na altura com o meu melhor amigo, benfiquista ferrenho, mas para um jogo de apuramento de Portugal com um daqueles países do Báltico, a Estónia ou Letónia. A verdade é que os estudantes universitários tinham sido mobilizados pelas suas associações de estudantes, para estar nesse encontro, porque o ministro da educação iria estar presente na tribuna de honra para assistir ao jogo (na altura era o Couto dos Santos). Os estudantes procuravam nessa altura reeditar um protesto que tinha sido histórico, em Coimbra, numa célebre manifestação durante um jogo da Académica, em plena ditadura no período marcelista. Enfim, não me recordo do resultado do jogo, mas lembro que quando entrei no estádio, levava a minha determinação "revolucionária" de estar com os meus companheiros (que entretanto tinham conseguido colocar as tímidas faixas dirigidas ao ministro) num protesto que considerava justo, e não para assistir à "bola". O importante de reter aqui é o poder e a energia das massas e o como podemos ser influenciados por elas. Em pouco menos de meia hora, já estava eu de pé com o meu amigo Sérgio, saltando e pulando, gritando impropérios ao árbitro, ao fiscal de linha, ... O objectivo da luta estudantil que ali me tinha levado, passados noventa minutos quase que tinha ficado para segundo plano.
Aprendi com essa experiência que este tipo de encontros de humanos pode gerar uma energia tanto destruidora quanto criativa, geradora de profundos sentimentos de felicidade, ou de sofrimento. Vive-se e morre-se com a "bola", pela "bola", como se esse fosse um novo Messias.
Comigo, o que me levou ao afastamento, à náusea foram (e são!) os interesses por detrás da "bola". Como em todas as outras áreas da actividade humana. Perdi o interesse pela magia, pelo espectáculo. Passei a associar o futebol a algo de muito mau. Nem mesmo com o Euro 2004, a minha opinião mudou.
O facto de fazer este enquadramento, admito, pode ser uma desculpa esfarrapada para o facto de abrir este post com uma imagem da actual camisola do 'Barca'.
Desde que vi essa t-shirt, o futebol reconquistou, pelo menos em parte, o meu respeito e admiração. Quando uma marca com o brand value que tem o Barcelona assume a posição "politica" de responsabilidade social e assina um acordo exclusivo com uma organização mundial como a Unicef, está a dar uma lição ao mundo das marcas, em particular às dos clubes de futebol. Como dizia o 'Pac', no seu artigo, "isso sim é jogar bonito".
Ao invés de promover uma cerveja ou uma companhia de telecomunicações, que servem apenas os interesses económicos de uma (ou várias empresas) a troco do financiamento das equipas de futebol (e sabe-se lá que 'outros' negócios); o clube de "nuestros hermanos" dá uma lição de consciência social para o mundo empresarial ligado ao negócio da "bola". Sem deixar de fazer um excelente trabalho de marketing social, de buzzmarketing (passa-a-palavra) elevando assim o good will da sua marca, e gerando um retorno de notoriedade claramente superior ao dos seus "rivais", mostra que é possível outro caminho.
Não sei se esta acção de comunicação é financeiramente mais lucrativa que o modelo seguido por outros clubes. Sem dúvida que é uma gota de água num oceano. Mas vinda de um clube com a dimensão e projecção do F.C. Barcelona, faz a diferença e é um exemplo!
Este investimento, esta gota de água, gera certamente um outro tipo de capital que urge criar e expandir no mundo – o capital de solidariedade e da consciência social.
Não voltei a entrar num estádio, a comprar um produto ou marca ligada ao mundo da "bola", mas hoje seria capaz de ir a Barcelona e com admiração, dizer bem alto – assim vale a pena ver futebol, e apoiar aqueles que jogam bonito com a camisola da solidariedade!
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