Ao fim de trinta e seis anos decidi escrever sobre o lugar onde habito. É verdade, actualmente estou vivendo no bairro onde cresci na minha infância, onde passei a minha adolescência e parte da minha juventude. Talvez tenha agora sido desperto para o que está por detrás do signo, daquilo que se esconde por de trás das palavras.
Este é um bairro como tantos outros bairros suburbanos, a pouco mais de 20Km de Lisboa, e intregrado num dos mais conhecidos concelhos do Ribatejo, com a sua sede em Vila Franca de Xira. Actualmente estou lendo um livro de Krisnamurti sobre o desenvolvimento da sensiblidade. Essa leitura terá despertado a minha sensiblidade, não para o(s) simbolo da(s) palavra(s) - Bairro do Paraiso, mas para o que está num plano mais 'intangível'. Como diz Krisnamurti, as palavras são o que são, devemos relativizá-las e procurar na sua essência o verdadeiro significado para cada um de nós, dando-lhe sentido, na nossa mente, no nosso coração e no nosso corpo.
Enquanto tomo o meu café da manhã na (única) pastelaria do bairro, observo os homens lá fora, atarefados com as obras que revolvem as entranhas da única praçeta do bairro. Por todas as ruas se amontam pedras, terra, lama, pedaços de passeio, que agora será 'renovado'. Sinto uma enorme contradição entre o que vejo, experiêncio e observo a desconexão profunda, entre o que se está passando com as obras a decorrer no bairro (faz já algumas semanas). Homens e máquinas por todo o lado lançam o caos, e as pessoas mostram a sua insatisfação disfarçada por um certo conformismo, como se fosse natural entrarem uns "buldozers" pelas suas vidas dentro e começassem sem aviso a desmontar as ruas do seus bairro. Aqui e ali, nas conversas de café vão saindo frases tímidas de desconforto, aqui e ali ouço uma ou outra crítica velada, por entre comentários mais ou menos "informados" sobre o que é, e como "devia de ser".
Procuro dentro de mim a calma para ir ao fundo da questão e trazer alguma reflexão sobre o simbolo (a palavra - paraiso) é o significado, mas mais ainda do que isso, o para quê de tudo isto. Sinto que o simbolo, a palavra correcta para descrever esta "convulsão" que está ali na nossa frente é o 'inferno'. Ainda assim é desajustado. Obras são obras, e seguem um fim que em si que é válido e justo - melhorar a qualidade urbanística do bairro. Não consigo no entanto deixar de querer reflectir mais fundo, ir mais longe do que aquilo que me é revelado à "superfície".
Neste "episódio" que é comum a tantos outros, em tantos outros bairros, vilas e cidades deste país (que é o que conheço, por isso me coloco dentro deste contexto) o que encontro de comum é a falta de comunicação e de envolvimento da população. Uma desconexão profunda do que está a passar à sua volta: do porquê e para quê, quanto custa, para que serve, como beneficia as nossas vidas. Eu irei mesmo mais longe. Quem são os homens que aqui estão construindo as nossas ruas, os nossos passeios, que empresa realiza esta tarefa, como planeia o seu trabalho. Mais longe irei, se disser que faria sentido que houvesse uma assembleia com a população para lhes transmitir tudo isso, e pedir a sua opinião e a sua participação e colaboração.
Na medida que qualquer transformação no contexto, afecta directa e indirectamente a vida das pessoas, diria que seria de bom senso fazê-lo. Mais do isso, indo mais fundo, mexer na terra, mexer na configuração das suas memórias visuais, tácteis, sociais, é sempre uma transformação que se espelha também dentro de cada um de nós. Como podemos viver de forma integral, se aqueles que governam decidem, sem o envolvimento dos governados?
Este modelo desligado do outro, desligado do social, desligado das pessoas, desligado do todo, tem governado as nossas vidas nos anos que aqui tenho vivido. Este modelo, não é definivamente o 'paraíso'. Isso já todos o sabemos de forma mais ou menos consciente. Aqueles que não se resolveram por dentro, aqueles em que os conflitos intrapessoais são mais visiveís e presentes, manifestam-se na sua revolta (umas vezes exteriorizando verbalmente, outras interiorizando e somatizando na mente, no corpo, no coração). Noutros, a vontade de mudar o mundo, leva-os a posições mais revolucionárias, aquelas que reivindicam por outras soluções, que querem fazer diferente, que exigem outras soluções. A carga do conflito continua lá. A carga da revolta ainda está presente. Até porque esses revolucionários, tiveram aqui nesta terra, neste bairro, neste concelho, nesta região a sua oportunidade de mostrar alternativas de como fazer diferente. No essencial não foram capaz de o fazer, não porque não desejassem, mas porque a verdadeira revolução na consciência não estava feita. e Tudo o resto á sua volta não mudou para melhor.
Hoje, identifico-me com aqueles que desejam uma mudança 'radical' nas consciências, que nos possam trazer o 'paraíso' á terra, sou daqueles que conspira para exista um maior respeito pelo humano, assim como pela natureza, que possa constribuir para modos de vida alternativos numa comunidade solidária, e sustentável, vivendo em harmonia com o ambiente. Conspiro que essa mudança se faça, se vá fazendo, dentro de mim próprio, onde 'luto' todos os dias para conquistar o 'poder' de escolher, de sentir, de pensar, de Ser consciente e pleno nas escolhas que faço em cada dia em Vida se manifesta em mim. Este é um discurso que conspira não contra nada nem ninguém, mas acima de tudo, para tornar a cada instante o nosso "bairro" um 'paraíso' aqui e agora, que constribuir para acabar com as causas do sofrimento de todos os seres sensíveis (não apenas os humanos) e que dê a sua gota de água para contribuir para a felicidade desses mesmos seres sensíveis. Aqui e agora, se assim fosse, então o bairro faria juz ao seu nome.
26 de março de 2006
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